quarta-feira, 11 de março de 2009

Fadiga, na ótica de Mourinho

José Mourinho (46) é um dos mais respeitados e cobiçados técnicos do futebol internacional da atualidade. Natural de Setúbal-Portugal, com passagens vitoriosas por clubes como Benfica, Porto e Chelsea, atualmente é o comandante do Internazionale de Milão.

Buscando informações sobre a teoria e prática de preparação física dos atletas do futebol, encontrei - num blog desativado - trechos de livro (?) escrito por esse famoso treinador. Abaixo faço tradução de algumas partes que achei interessantes e importantes para nossa reflexão (o texto publicado no blog está em espanhol).

"(...) Tanto se reconhece a importância da recuperação [física] que se utiliza do mesmo argumento como uma das prinicpais justificativas para os maus resultados (...) De fato, não há treinador que diga que a recuperação não seja um aspecto fundamental a considerar num processo de treinamento e são também cada vez mais frequentes aqueles que reconhecem que o problema da recuperação deva ser equacionado em dois níveis: fadiga "física" e fadiga "mental-emocional" (...)

Muitos treinadores que se queixam da elevada densidade competitiva a que estão sujeitos, aproveitam os intervalos entre jogos do Campeonato para "recarregar baterias" com aumento de cargas físicas. Estranho também é o comportamento daqueles que, por jogar numa quarta feira tentam adiar o próximo jogo [de um outro Campeonato, de domingo] para segunda feira, mas treinam na 5ª, 6ª, sábado e domingo. Ou [estranho o comportamento] daqueles que dizem que recuperação é tão importante quanto o treinamento, mas sempre prontos para treinar duas vezes ao dia e não são capazes de dar dois dias de descanso (..) É um absurdo!

Mas, o estranho da situação não acaba aqui... O simples fato de perder [uma partida] leva muitas vezes a que se treine ainda mais - em quantidade, entenda-se. E isso numa das alturas em que o desgaste "mental-emocional" mais se faz sentir: os momentos das derrotas. Mais ainda, dizem que a fadiga não é apenas "física", mas "mental-emocional", porém tentam recuperar "fisicamente" os jogadores logo após a partida, como se essa questão não tivesse que ser visto globalmente - indivisível - e como se o treinamento no dia seguinte pela manhã não fosse pernicioso para a recuperação "mental-emocional".

Em Portugal treina-se demais quando se perde. Os técnicos, talvez influenciados por conceitos relacionados com a quantidade - que é para muitos o mais importante - e, por sentir receio de serem criticados pela pouca quantidade de trabalho, rompem todo o processo [de condicionamento]. O Benfica chegou a ter um treinador que treinava três horas de manhã e três à tarde!

O exposto acima nos deixa ver a todos as enormes incoerências e confusões conceituais e metodológicas. É conveniente, deste modo, aclarar como Mourinho, que lida com densidades competitivas aparentemente sobre-humanas, consegue manter-se em todas as frentes jogando para ganhar ao longo de uma temporada desportiva.

(...)

FADIGA “MENTAL-EMOCIONAL” e FADIGA “FÍSICA”

É necessário começar por compreender que a problemática da recuperação deve ser equacionada a partir de dois planos diferenciáveis em termos de análises, apesar de que estes apenas existam em total conexão e interdependência: o plano "mental-emocional" e o plano "físico".

Seguramente não nos surpreende a afirmação de que a fadiga não se manifesta apenas "fisicamente", pois com toda a certeza, todos nós já tivemos, por exemplo, uma terrível dor de cabeça ao ler algo complexo que exigia total concentração.

O que pode constituir surpresa é o quanto a fadiga "mental-emocional" contribui para o desgaste envolvido nos treinamentos e nas partidas...

A fadiga mais importante no futebol é a fadiga central e não a física.

Qualquer equipe profissional minimamente treinada, sob ponto de vista energético, acaba por resistir, com maior ou menor dificuldade, àquilo que é uma partida. Agora, a fadiga central é aquela que resulta da capacidade de estar permanentemente concentrado e de, por exemplo, reagir imediatamente e de forma coordenada diante da perda da bola.

De fato, atribui-se geralmente muita importância à fadiga "física" - fadiga "periférica" - mas o grosso da nossa preocupação deve incidir sobre a fadiga "mental-emocional" - fadiga central, do sistema nervoso central -, resultante da necessária concentração tática de decisão envolvida no treinamento e no jogo. Daí podemos designá-la como fadiga tática, na medida em que ela tem precisamente a ver com a incapacidade dos jogadores para concentrar-se por que estão fatigados de fazê-lo.

Uma das coisas que fazem com que o treinamento seja mais intenso - quando se fala de intensidade, fala-se normalmente em desgaste energético - é a concentração exigida para decisão. Por exemplo, correr por correr implica um desgaste energético natural, mas a complexidade do exercício é nula e, como tal, o desgaste a nível emocional tende a ser nulo também. Já as situações complexas nas que se baseia o crescimento da organização de um jogo, exigem dos jogadores requisitos táticos, técnicos, psicológicos e físicos. É isso que representa a complexidade do exercício que conduz a uma concentração maior.

É normal ouvirmos dizer: "aquele jogador está cansado e é por isso que não chuta a bola". Mas, como pode estar cansado se está farto de correr com a bola? [Ele] está simplesmente cansado de concentrar-se e de dosar o esforço e é isso que o leva à perda da organização [motora].

Percebe-se assim que a intensidade somente é possível de ser caracterizada quando se associa à concentração decisional [concentração necessária à tomada de decisão] e esta é tanto mais exigente quanto mais variáveis estejam envolvidas. Isso quer dizer que pode ser muito mais intenso um exercício pouco veloz mas que implica uma articulação determinada, do que outro mais veloz porém menos complexo. Quanto mais complexos sejam os desempenhos vivenciados nos treinos ou manifestados na competição, mais desgastantes eles são. Pela concentração que exigem, [esses exercícios] são os que pressupõem maior intensidade.

Quando falamos de intensidade, falamos de intensidade de concentração, porque jogar é, fundamentalmente, pensar, e pensar exige concentração. E, se falamos de um jogo de qualidade, falamos em pensar tendo em conta uma referência coletiva - determinados princípios do jogo - e isso exige ainda mais concentração. Não é, por isso, de estranhar que a fadiga tática surja antes que a fadiga "física".

A IMPORTÃNCIA DOS HÁBITOS

O jogo [sistema tático] de Mourinho, assim como qualquer idéia de jogo que se paute por uma dada organização coletiva e sua operacionalização, devido à concentração que se exige, pressupõe um grande desgaste "mental-emocional e, nesta medida, uma elevada fadiga tática. Entretanto, Mourinho sabe que um treinamento específico ajuda a que as exigências de concentração implícitas na sua forma de jogar passem a ser menores. Por quê? Porque o hábito se traduz na economia neurobológica. Isto é, a esfera fundamental do "saber fazer" é do domínio do inconsciente, e o "hábito" é um saber que se adquire na ação. O treinamento - aprendizagem pela repetição - é um processo de construção do ser capaz de jogar, no qual o saber adquirido é dominantemente um patrimônio do inconsciente. E sendo assim, o hábito permite que a solicitação mais complexa do tríade córtex-corpo-ação seja salvaguardada, diminuindo significativamente o esforço neurobiológico.

Portanto, partindo do fato de que, durante uma partida, as exigências de concentração decisional se derivam tanto da atenção necessária e simultânea a um conjunto de referências coletivas - a organização do jogo de equipe é algo que emerge do respeito sistemático a um conjunto de princípios - como da necessária e constante adaptação frente à variabilidade e imprevisibilidade das situações do jogo, o hábito permite que a atenção requerida para a tomada de decisão fique circunscrita, fundamentalmente, ao equacionar dos matizes particulares de cada situação, ou seja, à gestão do instante, do aqui e agora (...)"

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O endereço do blog onde estão publicados os textos do José Mourinho é este. Ainda neste blog (da autoria do Gilterlan Ferreira, preparador físico) encontram-se vários posts extremamente interessantes sobre o assunto Preparação Física dos Atletas, vale a pena visitar!

2 comentários:

Anônimo disse...

Materia interesante. Você sabe se a Aguia tem psicologo?

Anônimo disse...

Boa noite, Anônimo

Infelizmente, não tenho essa informação, mas o meu palpite é que não há nenhum psicólogo acompanhando os nossos jogadores. Vou tentar me informar a respeito, pois também sou da opinião de que seria excelente ter essa retaguarda nos momentos difícieis do campeonato.

Abç
yasmin