domingo, 22 de fevereiro de 2009

Futebol - Um "Negócio" Difícil

Neste domingo de Carnaval (de nenhuma folia pra mim, chateada com o empate amargo de ontem), voltei a pensar nos fundamentos do futebol e analisar a gestão da atual diretoria do São José.

Há alguns meses atrás, num outro blog (onde falo de tudo um pouco) abordei essa questão, que resolvi reproduzir aqui. Os leitores tenham, por favor, em mente que o texto foi escrito durante a nossa péssima campanha na última Copa Paulista (copa FPF) de 2008.


"Futebol - Um "Negócio" Difícil...

Futebol... devia ser apenas uma opção de laser para o grande público, e fonte de alegrias para os voluntários dirigentes do clube. Mas a realidade não é bem assim, principalmente para os clubes pequenos do interior. A sua maioria está atolada em dívidas, poucas empresas se interessam em patrociná-las, poucos torcedores cuja bilheteria não paga os salários dos seus jogadores, o pouco de renda ainda é desviado para bolsos de dirigentes inescrupulosos, ou é gasto sem planejamento ou definição de prioridades...

Acompanho um desses clubes do interior paulista, e nos quase dez anos não me lembro de ter tido momentos de euforia justificada. Culpa de quem?... Sou uma completa e total ignorante dos meandros do mundo de esportes, mas a situação atual do meu clube chegou a tal ponto que me fez pensar a respeito dos motivos por que esse esporte tão apaixonante não consegue se firmar como uma industria séria e lucrativa para TODOS (e não apenas para os "grandes".)

Legislação:
Penso que, antes de tudo, a legislação atual que aí está desfavorece terrivelmente esses pequenos clubes que não conseguiram até hoje pensar em termos empresariais. Muitos clubes, para escapar à sua própria ignorância na gestão empresarial aplicada, tentam terceirizar o futebol para as empresas "especializadas" em gerenciar um time. Desconheço um clube do interior que tenha tido sucesso, com exceção do Guaratinguetá (mas, até quando?) [nota: tem também o São Caetano e outros... mas nunca acompanhei muito esses clubes] O meu clube faz parte do universo que teve experiência desastrosa com uma dessas empresas. A que terceirizou o nosso futebol, ao invés de salvá-lo, afundou o clube para divisão inferior e se retirou da cidade em menos de um ano, sem uma justificativa, uma palavra. Na cidade vizinha, o nosso rival amarga a rescisão contratual com uma outra empresa que igualmente afundou o time, e nem saldou a sua parte financeira (e há muitos outros tristes exemplos como o do Matonense...) Quem sabe, uma empresa de estrutura mais sólida e ou com capital estrangeiro consiga lograr uma boa gestão, mas essas não se interessam pelos pequenos...

Há uma incongruência na vocação de um clube e seu time de futebol: o clube é, pela sua definição, uma entidade sem fins lucrativos, enquanto que o seu time é um verdadeiro sorvedouro de verbas e, ao mesmo tempo, um gerador de rendas sem tamanho (se bem sucedido, claro!) Como esperar que os dirigentes sem remuneração e sem dedicação exclusiva pensem em gerir um "negócio" do tamanho de futebol, de fazer disso um negócio viável e rentável? E essa é outra "falha" da lei: ela impede a esses clubes de remunerarem os seus dirigentes. Os clubes, na sua origem, são associações sem fins lucrativos, e portanto obedecem ao Código Civil que não permite a remuneração da sua diretoria.

Entretanto, é permitido contratar e remunerar funcionários. Assim, a grande falha também é do clube que não contrata um profissional competente para dirigir o seu futebol, que é uma atividade COM fins lucrativos. O motivo é a mentalidade dos dirigentes do interior que não consegue se modernizar com a rapidez que o capitalismo atual exige de todos... Somente o tradicional "amor à camisa" não dirige um clube de futebol, e incompetência ou ganância sem escrúpulos favorecem a corrupção, desvio de verbas, amadorismo, compadrismo e... fracasso.

Salários e outras despesas:
Outra "falha" - conjuntural - é a escalada sideral dos salários dos jogadores e técnicos. Sob ponto de vista do atleta que não tem vida útil muito longa, talvez fosse justificável ganhar 3 ou 4 vezes mais que os profissionais de outras atividades, da mesma faixa etária (e isso, para atletas apenas medianos para medíocres). Afinal, o atleta tem que ganhar em 10 anos o que outros ganham em 30, e ainda fazer um pé-de-meia para períodos em que ficam inativos e sem clubes. Mas esse valor salarial é proibitivo para a maioria dos clubes do interior; como pagar uma folha salarial de mais de 100 ou até 200 mil reais somente com a renda das bilheterias? E essa folha de pagamento é "só isso" porque esses clubes são da segunda categoria! A complementação viria da propaganda nos estádios e nos uniformes, mas mesmo esses valores não são significativos para cobrir toda a despesa mensal que vai muito além da folha de pagamento: são material esportivo, transporte, hospedagem e alimentação da equipe, aquisição e manutenção dos equipamentos empregados, remédios e internações... Enquanto que ainda há o agravante de que as empresas não se interessam em patrocinar um time fadado ao fracasso. Quem gostaria de ter o seu nome associado a um fracassado?

Federação, Calendário e Mídia:
Ainda outra falha: o calendário dos campeonatos não é favorável para manter as atividades regulares durante todo o ano. Um campeonato tem duração de 4,5 meses - para clubes que chegam às fases finais - e normalmente há apenas dois campeonatos (da categoria profssional) ao ano disponíveis para clubes pequenos. Para esses clubes que estão com dificuldades financeiras, não é possível manter a sua equipe nos períodos de entressafra quando não há jogos. Assim, os contratos com os atletas, e muitas vezes com a própria comissão técnica, cobrem apenas o período do campeonato. Se um clube é eliminado no meio da competição, os atletas são dispensados antes mesmo do término do seu contrato. Desse modo, o prejuízo é de todos: dos atletas que ficam desempregados e sem onde treinar, dos clubes que têm de recomeçar do zero a cada temporada, e dos torcedores que a cada campeonato têm de conhecer um time novo e desconhecido. E, de quebra, essa realidade trouxe uma total falta de identidade dos jogadores com o seu clube, deste com eles e também dos torcedores com seus jogadores. Os jogadores já não sabem mais o que é "ter amor à camisa", a sua "paixão" pela casa dura apenas o período da duração do contrato. Assim, eles jogam tão somente pelo dinheiro, e não sentem o menor pejo em trocar de emprego, mesmo durante o campeonato de tão curta duração.

Esses contratos "relâmpagos" ainda impedem um clube de obter algum lucro com a "venda" de jogadores de bom desempenho, pois basta ao jogador esperar o fim do seu contrato para assinar com novo clube, sem que o anterior possa reivindicar qualquer participação. A lei garante um repasse da parte do valor obtido nas vendas, mas apenas àquele clube que revelou o jogador, ou apenas quando essa venda é devidamente documentada, como é o caso de venda a um clube do exterior. O meu clube já teve alguns jogadores bons e excelentes. Mas porque não foi o clube onde o atleta iniciou a sua carreira, nunca viu um tostão por parte deles, enquanto eles subiam de notoriedade e no valor de "passe". Muitos ainda foram jogar no exterior depois de uma temporada aqui. Se alguém ganhou algo com isso, não foi o meu clube.

Quanto à Federação Estadual de Futebol, essa está nas mãos dos "cartolas", outro vício que teima em manter o status quo e não se interessa em promover o futebol na sua veradeira vocação democrática: o esporte dos multidões.

E a Mídia - esse verdadeiro 4º Poder que influi decisivamente na opinião pública e tem papel fundamental na condução do destino da nação - não se dá ao trabalho de olhar para a "ralé", buscam ao contrário focalizar cada vez mais os clubes "grandes" elitizando esse esporte que é mantido pela paixão. Como um pequeno clube do interior conseguiria conquistar os torcedores se a mídia não abre espaço para eles?

Por onde começar a mudança?
E qual seria a solução para tantos fatores desfavoráveis? Penso que ela começa com a ATITUDE dos dirigentes do clube. Essa atitude inclui: honestidade, empenho e coragem, e sobretudo TRANSPARÊNCIA e COMPETÊNCIA NA ESCOLHA dos seus auxiliares. A capacidade de planejar a médio e a longo prazos também é imprescindível, mas esse planejamento pode ser feito em conjunto com os profissionais da área que tiverem contratado. Desnecessário frisar que esse planejamento tem que obrigatoriamente incluir a estruturação e manutenção de uma Categoria de Base realmente muito boa e forte.

Claro que lutar contra as muitas dívidas é uma dificuldade imensa e por vezes até desanimadora. Mas, embora muito árduo, o trabalho não é impossível. Para recuperar a confiança da comunidade empresarial que normalmente recusa ajudar um clube de muitas histórias ignominiosas, os dirigentes têm que demonstrar a sua boa índole, capacidade e intenção com muita transparência. E com a divulgação dos planos verdadeiramente exequíveis de reerguimento do clube e acenando com recuperação do capital a prazos não irreais, não haveria empresário que, após cálculos com seus travesseiros, não aceda a ajudar um clube local, ainda mais se esse clube representar a cidade sendo seu cartão de visitas.

Essa é a minha muito pobre análise e minha opinião... Mas vou tentar destrinchar cada um desses tópicos nos próximos posts."

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Agora que o São José, com sua boa campanha neste início da temporada 2009, consegue atrair mais torcedores aos estádios, ganha mais espaço nos veículos de comunicação e traz mais patrocinadores para maior folga financeira, quero parabenizar essa diretoria que conseguiu devolver à cidade esse momento de alegria em pouco mais de um ano à frente do clube.

No entanto, futebol é um "negócio difícil", o momento atual pode ser efêmero se não cuidar de consolidar as conquistas e se estruturar enquanto há esse clima favorável ao clube e seu time.

2 comentários:

Anônimo disse...

Oi YASMIN, tudo bem?

Mais uma vez você nos brinda com um ESPETACULAR texto, como é interessante sua visão sobre o FUTEBOL, essa paixão nacional.

Neste texto, FUTEBOL - UM NEGÓCIO DIFÍCIL, você aborda questões pertinentes que o grande público não se importa tanto.

LEGISLAÇÃO: Esta atual LEGISLAÇÃO, foi combatida por EURICO MIRANDA (PASMEM SENHORES!!!) o polêmico ex-presidente do VASCO DA GAMA. Eu me lembro que ele era radicalmente contra a "LEI PELÉ", foi combatido pela grande emprensa, mas agora vimos que ele tinha razão.

SALÁRIOS e OUTRAS DESPESAS: Na minha opinião se existe jogadores hoje recebendo SALÁRIOS EXORBITANTES, penso que existem pessoas que pagam esses profissionais.

Uma vez estava assistindo um jogo de BEISIBOL na TV e o narrador informou que um jogador deste esporte ganha 5 vezes mais que um jogador de FUTEBOL, e é bom lembrarmos que infelizmente apenas 5% dos jogadores profissionais no BRASIL ganham muito bem.

FEDERAÇÃO: Não é só no FUTEBOL que vimos mazélas da CARTOLAGEM. Semana passada assisti uma reportagem muito bem feita do canal a cabo "ESPN BRASIL", a respeito da FEDERAÇÕES nos ESPORTES OLÍMPICOS e ao COB.

CALENDÁRIO: Em um texto que escrevi para o blog, torcedordaaguia.blogspot.com, já coloquei lá minha opinião.

MÍDIA: Você já notou que a REDE VANGUARDA quase não fala da ÁGUIA, só fala do SÃO JOSÉ em dias de jogos!!!

FABIANO MARINI

Anônimo disse...

Oiii, FABIANO, amigo!

Obrigada pelo elogio e comentário enriquecedor!

O problema dos salários, acho que nós importamos bons e maus exemplos do capitalismo selvagem. Se o 1º Mundo paga salários astronômicos, é claro que os jogadores sonham em jogar nesses mercados. No mundo globalizado, ou tenta se ganhar compensação financeira com venda de passes (meio que imposta pelos mercados europeus mas bastante compensador para os grandes clubes, diga-se de passagem), ou veríamos o êxodo em massa de todos os talentos brasileiros sem nenhum retorno para o país (e aqui não falo só dos jogadores, não...) E, estou ciente de que a imensa maioria dos nossos atletas são mal remunerados, sim! Mas, mesmo assim, a folha salarial é o grosso das despesas de um clube, tanto é que boa parte das dívidas são oriundas de processos trabalhistas.

Qto à legislação em vigor, acho que ela tentou "impor" uma modernização da indústria de futebol (e demais esportes), mas não contava com a morosidade dos dirigentes em assimilar a nova tendência mundial. Tentou obrigar os clubes a se tornarem empresas, mas sem apontar o caminho para se chegar lá, de modo mais fácil e menos doloroso... Na minha opinião, precisava flexibilizar o Código Civil para o caso específico dos clubes de futebol.

Qto à "Vanguarda"... arre! eu não queria dar o nome aos bois... mas vc falou tudo! (e o noticiário local da Band TV então, muitas vezes nem imagens das partidas colocam... rabo preso com burrinhos?)

Um abração!
yasmin